19 de fevereiro de 2009

Livros à lupa (excertos de...)






"Quando perdemos para os Castros o concurso de construção e exploração de três novos supermercados, o meu pai despediu-te, Inês, e a Constança riu-se na minha cara com uma crueldade de que não a julgava capaz.

Mas nós flutuávamos acima de todas as realidades. Tínhamos um nundo só nosso, de deslumbramento, de êxtase, de indiferença por tudo o que não fosse o contacto das nossas mãos, a proximidade dos nossos hálitos, o segredo das nossas vozes.

E se o amor físico não era total, visto que essa era uma decisão só tua que eu respeitava como se respeita um dogma, havia um envolvimento do calor da pele, do roçar das roupas, das batidas do coração, dos gestos sugeridos, das palavras não ditas, dos olhares, dos sorrisos, dos enleios.

Estava disposto, sim, a respeitar a tua decisão como estava determinado a transgredir esse vínculo a que o baptismo do meu filho Luís, morto no berço, nos obrigava, de parentesco e compadrio. Desafiava as leis da Igreja em nome das leis da Natureza. Iria contra tudo e contra todos, contra os homens, contra o Rei e contra Deus, para poder cumprir esta paixão fatal, na hora em que tu quisesses receber-me.

Uma palavra tua e nenhum sacrilégio seria impedimento ao meu amor.

Então, tentando lutar contra este vendaval com armas que já não tinhas, interpuseste entre nós o frágil obstáculo da distância, e partiste para Albuquerque, para a Galiza, para a casa de teus irmãos, a desfiar saudades do teu príncipe nesse pátio interior, onde um dia te achei a bordar borboletas e me tornei teu escravo e te perdi."


(A trança de Inês, Rosa Lobato de Faria)

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