AUTOPSICOGRAFIA ( Fernando Pessoa) O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, na dor lida sentem bem, não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda gira , a entreter a razão, esse comboio de corda que se chama o coração. |
ISTO (Fernando Pessoa)
Dizem que finjo ou minto
tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
com a imaginação
não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
o que me falha ou finda,
é como um terraço
sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
do que não está ao pé,
livre do meu enleio,
sério do que não é.
Sentir! Sinta quem lê!
SER POETA (Florbela Espanca)
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
do que os homnes! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Álem Dor!
É ter mil desejos e o esplendor
e não saber se quer o que se deseja.
É ter cá dentro um astro que flameja,
é ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E, é amar-te, assim, perdidamente...
E seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
PERDIGÃO PERDEU A PENA (Luís Vaz de Camões)
Perdigão perdeu a pena
não há mal que não lhe venha.
Perdigão que o pensamento
subiu a um alto lugar,
perde a pena de voar,
ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
asas com que se sustente;
não há mal que lhe não venha.
Quis voar a uma alta torre
mas achou-se desasado;
e vendo-se depenado,
de puro penado morre.
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